“Tout tableau est une négation du mur”, diz Stoichita – e é por isso, pelo anticonfinamento, que a pintura celebra a liberdade.
Arquivo mensal: outubro 2015
Lendo Stoichita
Lendo agora L’instauration du tableau para a minha pesquisa, sou levada por reflexões interessantíssimas acerca dos recursos de mise en abîme e intertextualidade na pintura. Compartilho algumas imagens com o leitor (as ideias ficam subentendidas, com o convite para a obra deste ótimo estudioso).
Vue sur trois chambres en enfilade (1658), de Samuel van Hoogstraten
Mulher fazendo a toalete (1660), de Jan Havicksz Steen
Le réveil (1663), de Jan Steen
Turismo no Rascunho
Amigos, o jornal literário Rascunho publicou uma resenha sobre o meu livro Turismo para cegos. Para lê-la, cliquem aqui.
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Faire quelque chose
“Mais, néanmoins, je crois que n’importe quel être humain peut choisir d’abord de ne pas faire de l’argent son but principal, peut choisir de ne pas ajouter, ou d’ajouter le moins possible, au bruit et à l’agitation du monde, de proteger ce qu’il dépend de lui de proteger, et de faire de son coin de monde (que ce soit un appartement dans une grande ville ou une petite maison à la campagne) un lieu le plus propre, le plus heureux, le plus sagement agencé possible.” (Marguerite Yourcenar: entretiens avec des Belges, p.179)
O vício da aula
O magistério é mesmo um vício! Por mais que esteja aproveitando muitíssimo minha estada de pesquisa, sinto uma falta enorme de estar em sala de aula, de interagir com os alunos, construir junto com eles os temas, os raciocínios. É lógico, então, que eu não poderia hesitar diante da proposta de substituir minha orientadora por ocasião de uma viagem sua. Nem mesmo o fato de que teria de falar durante duas horas em francês para uma turma de mestrado me intimidou! Eu precisava desse retorno; sentia uma falta física da situação didática, um tipo de inquietação maluca que em quase todas as férias me faz soltar, mais cedo ou mais tarde, uma frase como “Ai, como eu queria dar aula pra alguém!”
A ocasião não poderia ter sido melhor – com o fim da greve na Universidade Federal do Ceará, eu me senti “começando” o semestre junto com meus colegas, mesmo a distância. No meu caso, isso não vai virar rotina; foi uma vez perdida, e foi muito bom. Deu para matar a saudade. Mas agora voltemos à pesquisa…
Novas de Magritte
Varda, única e múltipla
Que o cinema de Agnès Varda é feito de contrapontos e diálogos entre opostos, já se sabe – mas ainda assim a gente perde o fôlego quando encontra uma declaração tão lúcida como esta:
“Je n’ai aucune difficulté à admettre qu’on peut être soi et son double, soi et son contraire. On a une pensée et celle est combatue par une autre qui est aussi valable.” (do livro Agnès Varda: le cinéma et au-delà. org. de A.Féant, R. Hamery et E. Thouvenel)
A busca de coerência pode ser uma prisão, afinal.
Um amor com formigas
Ainda em relação à postagem anterior, revendo essa obra de Lucas Cranach l’ancien, “Vénus et l’amour” (1531), reparei num detalhe que antes me passara despercebido: o pequeno Cupido tem seu corpo coberto por formigas (observem no destaque). Claro que a interpretação imediata leva à ideia de uma sugestão de morte, decrepitude já se anunciando, apesar da beleza de Vênus etc etc – mas achei curioso porque nunca li nada a respeito. Algum leitor conhece outras informações a respeito? Fico no aguardo de detalhes.
Em Bruxelas, com as paixões
Numa recente ida a Bruxelas, aproveitei para rever os quadros de Brueghel, no Musée Royal des Beaux-Arts (eu pensava em Marguerite Yourcenar, que sempre fazia isso, em suas visitas à capital belga). Mas não revi apenas esses: tive o prazer de reecontrar Rogier van der Weyden e Dirk Bouts (com o seu Panneaux de la justice de l’empereur Otton – le supplice du comte innocent/l’épreuve du jeu, cuja história pode ser conhecida clicando aqui)
Além disso, nesse setor dos antigos (que é minha paixão permanente), conferi o “regard buddhiste” que os mestres conferiam às suas personagens femininas (por que será?). Esse é um tom permanente no Maître de la légende de Sainte Lucie (ativo em Bruges no último quarto do século XV), no Maître de la légende de Sainte Ursule (idem para local e época) e no Maître à la vue de Sainte Gudule (ativo em Bruxelas no século XV).
E Bosch também estava ali! Ah, os maravilhosos detalhes do tríptico da Tentação de Santo Antônio!
Igualmente voltei a ficar comovida com os retratos de Philippe le Beau et Joanne la folle (por causa da história por trás das figuras – além da beleza dos quadros!), da escola dos Países Baixos (entre 1495 e 1506):
E essa “Vierge à la soupe au lait”, de Gerard David (séc.XVI) já não lembra incrivelmente Vermeer e sua leiteira?
Contra essa placidez estética, insurgia-se Bernard van Orley, na mesma época. Vejam um detalhe da balbúrdia no seu Triptyque la vertu de la Patience (parte dedicada à morte do mau rico):
E essas paisagens antropomórficas do século XVI, da escola dos Países Baixos, não têm tudo a ver com o processo criativo de Archimbold?
Voltar a um museu é um aprendizado tão importante quanto entrar nele pela primeira vez.
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