Nada melhor para esta manhã de sábado chuvoso do que uma exposição de fotografias. Eu estava devendo essa visita ao Sobrado José Lourenço há uns tempos e fui, muito apressada, crente de que hoje era o último dia da mostra. Entretanto, me avisaram de que houve prorrogação até abril – sorte dos leitores deste blog que ainda não passaram por lá: terão tempo para ver muitas imagens incríveis!
A sala do térreo abriga a mostra “Fotografia peruana hoje”, com vários artistas extremamente jovens e talentosos. É o caso de Musuk Nolte (nascido no México, em 1988, mas naturalizado peruano). Ele fotografou os Shawis, que habitam a província do alto Amazonas, “a dois dias de qualquer cidade do estado de Loreto por via fluvial”. Leio que os seus xamãs são os mais respeitados das lendas amazônicas – e me impressiono com a textura dos rostos, a pele virando paisagem de grãos e sombra… xamanismo, por sua vez, do próprio artista com sua câmera!
Maravilhosa também é a série “Vertigem”, de Gihan Tubbeh (Peru, 1984), que celebra um olhar míope, fora de foco e veloz, como riscos nervosos numa página. O seu cão e as suas palmeiras são primorosos nesse sentido; são feitos de diagonais, como se a fotógrafa registrasse o vento.
Dentre os jovens cearenses expostos no primeiro andar, destaco as fotos de Thaís Mesquita Gadelha, com seus interiores “assombrados” que me lembraram as composições da Woodman. Também o registro de George Sampaio, para o projeto “Macondo é aqui”, foi inesquecível: o cão sobre a mesa, o corpo submerso, o jantar à luz do candeeiro, as rosas dentro do mangue – tudo intriga e cativa pelo mistério. A poética de Marcos Pardana, em “Reflexos”, parece admitir que tudo o que se esfumaça é belo – e Davi Pinheiro, em “Us do Horto”, ensaio sobre os romeiros, me trouxe à mente a estética do Tiago Santana.
No terceiro andar do Sobrado, estavam alguns cearenses famosos: Gentil Barreira, Celso Oliveira, Fernando Jorge, Rubens Venâncio, Igor de Melo, Chico Albuquerque… Minha visita se encerrou com satisfação – sobretudo, após a experiência de ontem ter conferido a mostra World Press Photo 14, na Caixa Cultural. À parte algumas fotos realmente belas, voltadas para o tema do esporte e da natureza, quase todas as outras me pareceram apelativas de um conteúdo já previsto: imagens chocantes de crimes, pessoas deformadas etc. Claro que a seleção pode muito bem prever um traço de horror em suas classificações de imagem – mas não dá para perdoar a fórmula de retratar albinos cegos, por exemplo, que fez Brent Stirton levar um primeiro lugar agora quando, em 2013, Anna Bedynska já tinha feito o mesmo, e de maneira muito mais sensível (vejam, a esse respeito, minha postagem de 29/08/3013). A repetição é a morte em matéria de arte! Óbvio que às vezes o público não conhece as influências, os diálogos, então tudo parece novo e interessante. Para mim, o que de fato chamou a atenção nesse Photo World Press foi o trabalho de Elena Chernyshva, sobre a cidade de Norisk, no norte da Rússia.
A violência paralisante desse gelo destruidor me comoveu: a imagem é de uma carga humanista muito maior do que qualquer fotojornalismo de chacina que, ao ostentar o sangue como seu trunfo, esquece que a arte ultrapassa o documento e a denúncia. Eis porque, nestas duas mostras fotográficas, a qualidade da foto – peruana e cearense – ultrapassa bastante a da photo, internacional e badalada.
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