Não segui a recomendação do amigo que ontem se despediu de mim dizendo “Nada de Katherine Mansfield ou Virgina Woolf!”, após um almoço em que comentei sobre a melancolia que sempre me sufoca, quando leio textos densamente psicológicos. Sei que deveria ser sensata e experimentar certa literatura com moderação – mas, como em todo vício, a gente se descontrola. Lá fui eu em busca dos Diários e cartas da KM, após ter lido os seus contos e, enquanto isso, o bom Proust me piscava um olho da escrivaninha, perguntando “Quando me retomarás?” – e o hugo mãe d’O nosso reino empalidecia na cama do quarto de hóspedes, com seu poder de sedução severamente comprometido. Encarei os dois não sem remorso, mas disposta a me entregar às dores de desvendar essa alma atormentada. Katherine: como se não bastasse a tua vida louca e desenfreada, com a morte hemorrágica tão cedo, os amantes e países desbravados de forma inconsequente, a literatura como um espasmo frenético – como se tudo isso não fosse suficiente, ainda fazias reflexões terríveis, como estas, que transcrevo abaixo, um minuto antes de fechar teus Diários e dizer para mim mesma que agora chega, vou assistir a alguma comédia na TV.
“Está chovendo hoje, outra vez, e na noite passada o vento uivou e me entristeci e tremi, ouvi fechaduras sendo limadas, alguém apoiando escadas nas janelas, passos soando no andar de cima. Todas as velhas propriedades dançavam giga à moda antiga. Durante o dia sou um leão, meu querido, mas quando desaparece o último ponto de luz da tarde eu me transformo num cordeiro, e à meia-noite – mon Dieu – à meia-noite, o mundo inteiro me parece um assassino impiedoso.”
“Eu o compreendi muito bem naquele fim de semana em casa dos Lawrence, pois eu própria sinto às vezes algo parecido. É uma espécie de paralisia decorrente do fato de se levar uma vida solitária e voltada para si própria. (…) Não sei como está Londres nesse momento, mas aqui o simples fato de passear ao ar livre faz com que a pessoa se sinta como se as flores e as folhas estivessem caindo de seus cabelos e de seus dedos.”