Visada – Grupo de investigação do Texto Visual

Ainda aproveitando o dia da Fotografia, declaro o início oficial do Visada – Grupo de investigação do texto visual, que terá suas atividades no curso de Letras da UFC. Agradeço ao Coletivo Colher pela bela logomarca!

Deixo abaixo maiores informações.

VISADA – Grupo de investigação do Texto Visual

Coordenação: Profa. Dra. Tércia Montenegro Lemos

Encontros às segundas-feiras, de 11h50 às 13h20, a partir do dia 26 de agosto.

Critérios de participação:

– ter interesse por pesquisa e/ou produção de textos visuais

– ter cursado a disciplina de Semiótica ou de Teoria da Imagem Fotográfica

Interessado(a)s devem se inscrever, enviando um email para grupovisada@gmail.com

Dentro da caixa escura

Há um ano Fortaleza ganhou um Museu da Fotografia e, quando conheci o espaço, senti que recuperava uma das melhores experiências estéticas que já tive. No final de 2015, encerrando minha estada de pesquisa justamente voltada para a arte fotográfica, visitei Charleroi, cidade belga conhecida por ter um magnífico museu na área.

Eu sempre entro nestes locais como quem explora uma catedral: vou em busca do silêncio e do sagrado. Há algo em mim que precisa recuperar um senso mágico. A fotografia – antigamente eu pensava – era a linguagem que com maior dificuldade me traria um grande impacto. Por sua banalização cotidiana, sua presença invasiva em tantos e diversos lugares, ela precisava mesmo ser muito boa, para me chamar a atenção. E ainda restava a dúvida quanto à “necessidade” de um museu que lhe fosse específico. Reproduzir fotos em livros, vê-las em catálogos, paredes ou postais não trazia uma equivalência? Mas a reprodutibilidade técnica não aniquilou a aura, oh Walter Benjamin.

Quando vi pela primeira vez uma exposição de Francesca Woodman – com as imagens no tamanho que a artista tinha escolhido para elas (e que era menor do que as impressões em qualquer livro) –, quando vi sob o vidro o papel pigmentado que estivera sob as vistas de Diane Arbus – quando tive ao alcance Cartier-Bresson, quando conheci na mesma sala (e por isso, para mim eles estarão sempre juntos) afinlandesa Susanna Majuri, o tcheco Pavel Banka, a mexicana Erika Harrsch… O único prazer comparável ao Musée da Photographie chegou à minha cidade, e não preciso mais morrer de saudades.

Ultrapassando a experiência pessoal, que – óbvio – não se repete (e quiçá nem se transmita), há fatos relevantes, de um alcance coletivo. O Museu da Fotografia em Fortaleza promove encontros, oficinas e workshops. Atua em comunidades carentes, com a ajuda de uma equipe educativa que ensina crianças a montarem câmeras Pinhole para produzir fotos artesanais. Ativou também recentemente o hábito do cineclubismo, com exibição gratuita de filmes clássicos premiados por fotografia, e ao longo destes meses trouxe importantes exposições.

Para além da Coleção Paula e Sílvio Frota, cujo rico acervo foi o elemento motivador da construção deste espaço, o museu apresentou, a partir de outubro, a obra de fotógrafos brasileiros em conflitos armados. Na linha de frente fez o público conhecer imagens contemporâneas feitas na Líbia, na Síria, no Iraque e em outros países, com a participação dos seus autores num ciclo de palestras. Ouvir Gabriel Chaim, João Castellano e Felipe Dana foi, sem dúvida, uma chance de refletir sobre questões que toda arte (que digo eu? que todo gesto humano) potencializa: território, política, liberdade, existência.

Meses antes, eu tinha ouvido naquele mesmo auditório uma palestra de Izabel Gurgel, sobre Frida Kahlo. Izabel estava interessada “em como a Vida se manifesta na forma Frida” – com as múltiplas visadas que o tema permite. As reflexões passaram pela fotografia como uma “insistência na repetição”, pela perda da memória (que equivale à perda do próprio rosto), pela “elaboração estética de si”, por álbuns de família vistos após um luto, pela ficção como “uma potência de desenho interior”… até a ideia de uma Frida-palhaça, com “sua entrega radical de presença”, inclusive – ou principalmente – diante dos desconcertos, do que não se sabe.

Essa palestra foi mais uma situação irrepetível, um privilégio que o museu trouxe à cidade. As digressões, as costuras temáticas diante do repertório de imagens aconteceram naquela tarde. Em outra, virão pensamentos diferentes, porque o contexto será diverso. E o Museu da Fotografia, na concepção dos arquitetos Marcus e Lucas Novais, reprisa de propósito uma caixa mágica, um dispositivo de captura. Somos presos pelo impacto – e, ao mesmo tempo, arremessados.

O clique da fotografia acontece inclusive sobre o olho de quem a contempla. Foi por causa dele que num janeiro de exílio tive um bem-estar imediato com certa imagem de Brigitte Grignet. Ela mostra uma jovem com os cabelos esvoaçando, prestes a pular de um pequeno muro, o mar espumoso logo atrás. Há um cão que espera a mulher, de costas para nós, e também não vemos o rosto dela. Tudo parece mistério, nessa foto em preto e branco onde o negrume do cabelo, da saia e do cão mantém o equilíbrio. Depois descobri que foi feita no Chile – mas não importa: quando vi a foto, exposta na galeria Satellite, do cinema Churchill em Liège, subitamente voltei à Beira-Mar de Fortaleza. Isso me bastou. Clic.

“Girl in the wind” in Chiloe, Chile

Tércia Montenegro (texto publicado no espaço Vida e Arte do jornal O Povo e também no jornal Rascunho, na coluna Tudo é narrativa)

O regresso ao contínuo

    Em 2017, o centenário de nascimento de Algirdas Julius Greimas – linguista lituano grandemente responsável pelos avanços na área da semiótica – trouxe várias comemorações pelo mundo acadêmico. Os estudos dessa linha greimasiana costumam ser temidos por sua complexidade, mas também trazem ao pesquisador experiências de reflexão tão arrebatadoras que só podem ser comparáveis a determinados momentos estéticos. O próprio título de minha seção, Tudo é narrativa, foi inspirado nessa proposta semiótica. Óbvio que não pretendo agora enveredar pelo tema teórico da construção do sentido – mas, em homenagem ao autor de Semiótica das Paixões, gostaria de fazer volteios em torno de um assunto que o leitor pode inclusive considerar em sua dimensão mística: o par contínuo-descontínuo.

   Simplificando estes termos dentro de uma estrutura textual, o contínuo é a continuação, a rotina; o descontínuo é a parada, ou o acontecimento. Assim, qualquer enunciado modula estas instâncias, à medida que vai trabalhando com fatos dados ou novos. Toda cadeia processual possui alternância, e é a própria tensão entre tais dicotomias que vai gerando o andamento do texto.

       Se saímos, porém, da perspectiva de uma semiótica tensiva (mais explorada por outros teóricos, sobretudo por Claude Zilberberg), encontramos uma distinta aplicação para esta ideia oposicional. O descontínuo seria tudo o que está mergulhado na, por assim dizer, semiosfera. O princípio da comunicação é que ela aconteça por fragmentos. O fato de precisarmos falar a respeito de algo que estamos pensando, por exemplo, demonstra como existe uma separação entre a nossa mente e a de outra pessoa. Cada indivíduo é mera parte da humanidade, que se encontra em estado de dispersão – por isso, parece primordial que nos comuniquemos. Essa troca só é possível porque existe a separação, a diversidade. Se tudo fosse reduzido ao uno, as necessidades de transferência ou diálogo ficariam subitamente esgotadas.

      Faço uma pausa para o leitor respirar, contando uma ilustrativa experiência pessoal.

      Já faz muito tempo sinto uma espécie de chamado para uma vida mais primitiva, algo que nomeio como tentação de ser hippie. Insistentemente cogito passar um longo período sem tecnologia, de maneira mais ou menos selvagem, em contato íntimo com a natureza. Como jamais arrisquei efetivamente essa mudança, contento-me com pequenos retiros rústicos, para me desintoxicar. Foi assim que há cerca de um mês passei um final de semana numa praia ainda pouco conhecida, a quatro horas de Fortaleza. A paisagem, com dunas belíssimas, era um tipo de representação do infinito – e andar sob as estrelas parecia um ensinamento ancestral: estamos aqui por um instante apenas, mas isso não é trágico. Logo estaremos de novo integrados ao contínuo universal. Sem desejos, anseios ou fragmentos.

    Tudo muito espiritualizado e perfeito – não fosse pela presença de outras pessoas falando, quebrando o momento. Eu queria apenas ser esmagada pelo silêncio, deixar que ele me preenchesse, mas duas senhoras atrás de mim conversavam. Elogiavam um conjunto de panelas em promoção numa certa loja.

     Escutar aquele comentário me fez entender como a comunicação pode ser um defeito.

    Há momentos em que fazer uso da língua se torna um distúrbio, uma ação postiça. Toda mensagem é uma forma de romper-se, de evidenciar as fraturas: de mim para você, sempre haverá desentendimentos, elementos alheios incontornáveis.

    Esse é o descontínuo, convulsionando. E ele convulsiona o tempo inteiro, no espaço cultural permeado por signos – a tal semiosfera.

    Entretanto, temos uma potencialidade de transcendência, uma integração holística possível – o regresso ao contínuo, quando nada mais for separado, tempo e espaço e corpos: tudo inexiste porque chegou a uma totalidade tão extrema que qualquer coisa (inclusive a linguagem) se torna supérflua, uma futilidade que finalmente se ultrapassou.

   A própria língua deixaria de existir porque tudo nela – assim como no mundo – funciona na base de contrastes. Se digo (na tentativa de explicar uma vida-além) que ela seria um estado perene de paz, aí já existem oposições, pois não se entende o conceito de paz a não ser pondo-o em contraste com o de guerra; a ideia de estado obriga a pensar na ausência de estado, o perene evoca o perecível. Assim, cada palavra ou partícula existe somente por dialogar com outra – e este mecanismo, por si, é um sintoma da imperfeição, das partes que vão se dinamizando e nunca chegam à unidade completa. Chegar a essa imobilidade seria o fim das contradições e do simbólico. Seria a morte, por assim dizer.

     Nesse momento, penso que a frase do sábio “Só sei que nada sei” não parece uma lição de humildade, mas, ao contrário, uma afirmação iluminada (e até um pouco envaidecida): saber o nada é saber o tudo. É ter acesso à perfeição. Quando não existem divisões, compreender-se dentro da continuidade é contemplar o divino. Ou melhor, é dissolver-se nele, deixar de ser matéria, átomo. Retornar ao contínuo.

Tércia Montenegro (texto publicado também aqui, no jornal Rascunho)

O vício da aula

O magistério é mesmo um vício! Por mais que esteja aproveitando muitíssimo minha estada de pesquisa, sinto uma falta enorme de estar em sala de aula, de interagir com os alunos, construir junto com eles os temas, os raciocínios. É lógico, então, que eu não poderia hesitar diante da proposta de substituir minha orientadora por ocasião de uma viagem sua. Nem mesmo o fato de que teria de falar durante duas horas em francês para uma turma de mestrado me intimidou! Eu precisava desse retorno; sentia uma falta física da situação didática, um tipo de inquietação maluca que em quase todas as férias me faz soltar, mais cedo ou mais tarde, uma frase como “Ai, como eu queria dar aula pra alguém!”

A ocasião não poderia ter sido melhor – com o fim da greve na Universidade Federal do Ceará, eu me senti “começando” o semestre junto com meus colegas, mesmo a distância. No meu caso, isso não vai virar rotina; foi uma vez perdida, e foi muito bom. Deu para matar a saudade. Mas agora voltemos à pesquisa…

Semiótica do mundo

O congresso da AISV, aqui na Université de Liège, durante a semana passada, foi de uma intensidade incrível. Nunca antes me senti tão imersa num campo de estudos. Pessoas das mais diversas áreas se unificavam através da teoria, e por causa disso eu assisti a conferências de arquitetos falando da “promenade comme quête esthétique”, ouvi matemáticos dissertando sobre diagramas, aplaudi a jovem brasileira que expôs uma experiência semiótica sobre a demolição de um prédio e ouvi uma iraniana falar sobre a poesia mística persa… Mas talvez o mais impressionante tenha sido o estudo sobre os escalpos como troféus de caça, numa das principais palestras. Ou a “semiótica do estado comatoso”, apresentada por uma médica russa. Quem sabe, nessa mesma linha biológica, a exposição sobre a fitosemiose (a atividade semiótica das plantas! A fotossíntese como recurso cognitivo! – confesso que não fiquei muito convencida) ou, ainda, aquela sobre a triboluminescência dos quartzos em sua natureza indicial?

Acho, que no final, eu elegeria a palestra do pintor que – na linha de Jean Petitot – apóia-se na teoria das catástrofes para trabalhar com uma semiótica do espaço, na pintura. A proposta parte da teoria da “dobra”, segundo Deleuze (então já se vê que não é exatamente uma coisinha simples), para definir o estilo de um artista, sua “frase” pictural, sua dicção. Mesmo sem entender tudo, dá um gosto ouvir falar de coisas tão enigmáticas quanto a “catastrophe du papillon”!

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