Yuríssimo!!!

Parabéns ao querido Yuri Yamamoto, que ontem foi o vencedor do quadro “Como manda o figurino”, do programa televisivo Fantástico, com 69% dos votos do público. Multiartista ligado ao desenho, à moda, à literatura e, sobretudo, à dramaturgia, Yuri faz parte do grupo Bagaceira de teatro e é um daqueles amigos que, se orgulho matasse, eu estaria por um triz! Além de tudo (ou principalmente), Yuri é uma pessoa formidável, tão simples e sempre sorridente!

A literatura é uma arte visual

A LITERATURA É UMA ARTE VISUAL

 

Num dos capítulos iniciais d’O irmão alemão, Chico Buarque faz o narrador – bem temperado com traços de alter ego – contar como a biblioteca dominava os cômodos de sua casa, a tal ponto que na infância ele sofreu de pânico ao encontrar uma parede vazia: sem uma estante de livros a preenchê-la, a parede a qualquer instante poderia desabar.

Quando criança, eu também vivi emoções semelhantes. Filha de professores, em minha casa a biblioteca reinava, erguendo-se como uma falésia. Naquele “gabinete”, meu pai pusera ainda uma mesa com a máquina de escrever, e a rede (indispensável utensílio cearense) atravessava os extremos do aposento, convidando a mim e a minha irmã a um balanço sem fim, nas horas em que ali não se trabalhava. Desse local de observação flutuante me acostumei à paisagem dos livros; a rede me impulsionava até que meus pés tocassem a lombada de alguns exemplares – como alguém que mergulha os dedos num rio, experimentando a temperatura da água.

Mas os livros escapavam do território: eram encontrados na cozinha, no banheiro, dentro da despensa, na garagem… Eu tinha acesso a todos, lendo o que me aparecia pela frente. Com 12 anos, peguei Cem anos de solidão e levei para o quarto. Pouco depois, estava com o teatro de Pirandello. Aquela disponibilidade era uma constante promessa de alegria e espanto – por isso ainda hoje mantenho, em meu próprio apartamento, uma relativa desordem de livros, para que tenham a merecida liberdade.

A biblioteca, porém, continuava um cenário permanente. Sua presença era tão inquestionável que, nos tempos de criança, eu achava que todo mundo possuía um lugar parecido. Lembro o choque quando (eu devia ter uns 6 ou 7 anos) acompanhei minha mãe em visita a uma amiga que tinha tido um bebê. As duas ficaram confabulando em torno do recém-nascido, enquanto eu saía para explorar a casa alheia, espiando aposentos, abrindo portas – até que me dei por vencida e voltei para perto das duas, perguntando: “Mas cadê a biblioteca?”. Minha mãe respondeu, terrivelmente constrangida: “Filha, não é todo mundo que tem livro em casa…” Sua amiga nem se importou com a declaração, não parecia envergonhada, enquanto acalentava o bebê – e eu a olhei, estupefata (“Ah, não?”), como se naquele instante me dissessem que nem todos os humanos eram mamíferos, ou algo assim.

A biblioteca da minha infância, com suas múltiplas cores verticais, plantou-me para sempre o gosto por mosaicos, vitrais, colchas de retalho, caleidoscópios, tudo o que mistura tonalidades – e a partir dela eu aprendi como a literatura pode ser uma arte visual. Por mais que saiba de sua dimensão sonora e tenha conhecido contadores de histórias, cordelistas, poetas populares, ainda encaro esses recitais como espetáculo, evento público, ao passo que, na minha intimidade, a literatura habita o livro, e o livro impõe seu silêncio de objeto, de coisa que se manipula e se descobre com outro ritmo – o ritmo da visão, que não é mesmo do ouvido. É um pulsar que se regula individualmente, detém-se no desenho das letras, aprecia as manchas gráficas: em cada palavra vejo um laço. E nunca me protejo.

 

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no blog da Companhia das Letras, em http://www.blogdacompanhia.com.br/2015/04/a-literatura-e-uma-arte-visual/)

VIII Festival da Mantiqueira

Amigos, nesta sexta-feira viajo para participar do VIII Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier. Estarei numa mesa-redonda com os queridos Marçal Aquino e Sidney Rocha, sob o tema “A sobrevivência do conto”, com mediação de João Cezar de Castro Rocha, às 16h30 do dia 11. Confiram aqui outras novidades da programação.

Aos meus alunos, mensagem importante: esta viagem não afetará nossas disciplinas, porque já na segunda-feira devo retornar.

Lygia & Hilda

Que pena não poder visitar a Ocupação HH, no Itaú Cultural! Se pudesse, me mandava para SP a conhecer mais do universo de Hilda, como dois anos atrás fiz, para ver uma palestra da querida, divina Lygia. Que encontro raro, o destas duas escritoras, tão exuberantes de talento e beleza, cada uma a seu modo – e, se pendo mais para Lygia (minha favorita desde que eu tinha 12 anos), agora aproveito o pretexto para me redimir com Hilst, lendo o que dela ainda não tinha provado. É o caso dos Cantares, que me chegam no momento propício. Não deixe o leitor de procurar o livro inteiro; aqui vão apenas os versos iniciais, para sedução.

“Que este amor não me cegue nem me siga.

E de mim mesma nunca se aperceba.

Que me exclua do estar sendo perseguida

E do tormento

De só por ele me saber estar sendo.”

 

As prioridades

É preciso desenvolver um tipo de cinismo ou frieza para manter a própria coerência, em sociedade. A todo instante, estão me propondo – com seduções, ameaças ou chantagens – o desvio das minhas prioridades. Cada assunto desejaria o monopólio, a dedicação absoluta. Mas, se penso nos livros, nos bichos e em tudo o que me faz feliz, digo, ao apelo intruso: “Espere um pouco. Sente neste tamborete. O seu lugar não é num sofá confortável. Quando muito, eu lhe darei alguma atenção, de pé, e sempre de um jeito apressado. Só o amor justifica, para mim, a lentidão.”