Natureza e cultura na fotografia de Tiago Santana

Amigos, é com grande alegria que anuncio a publicação do meu artigo “Natureza e cultura na fotografia de Tiago Santana”, na revista CASA – Cadernos de Semiótica Aplicada, vol.13, nº 1, que acabou de sair e pode ser consultada neste link. Esta já é uma primeira parte da minha pesquisa de pós-doc, que tanto aprendizado está me trazendo! Agora ando às voltas com a elaboração de um novo texto para apresentar aqui em Liège… Não dá vontade de parar!

Um flerte com as palavras

Amigos, saiu hoje, na revista Pessoa, um lindo texto da Susana Fuentes, seguido de entrevista comigo. A publicação é parte do projeto “Literatura Brasileira Hoje”, organizado pelo prof. Dr. João Cezar de Castro Rocha, da Uerj. Vale clicar aqui, para ler!

Abaixo, foto do Turismo para cegos lido por Susana: todo livro quer ficar assim, marcado, usado – apropriado por cada novo leitor!IMG_20150809_190920

 

Mensagens sobre o muro

Comecei a compor esse acervo ao acaso, motivada por um pequeno texto que há muito tempo encontrei, rasgado na balaustrada de uma ponte, em Vila Nova de Gaia. Era algo como “Amo-te, Filipa”: uma declaração que jamais seria feita, dessa maneira, no português brasileiro – tanto pela colocação pronominal como pelo nome citado, pouco recorrente entre nós. O texto me deu aquela sensação de relíquia ingênua, se assim posso definir. E passei a procurar – e fotografar – outros exemplos singulares, conforme o destino me possibilitasse achá-los. Capturei mensagens nos muros da Ilha do Sal e em paredes parisienses. Ontem, foi a vez de Liège: numa estreita passagem, vi esta frase em giz, que me pareceu instantaneamente filosófica:

Cindy

Conforme fui andando em direção ao começo da rua, porém, uma outra mensagem (com a mesma letra e o mesmo giz) me esclareceu o sentido da primeira. “Cindy, veux-tu m’épouser?” era a primeira pergunta, de acordo com a “ordem de leitura” da rua, ou seja, da esquerda para a direita. Portas adiante, aparecia o tal “Tu réflechis encore?”, resgatando o referente implícito e substituindo, para sempre, o enunciatário-transeunte por uma específica Cindy, pensativa a respeito do matrimônio que lhe era proposto duas vezes em poucos metros de caminhada. Caiu por terra toda a minha interpretação sociológica, filosófica, anticonsumista etc, que a frase inicialmente sugeria. Ficou só a insistência de um apaixonado anônimo – e, quer saber? Isso me soou muito melhor e mais importante. Espero que Cindy (como a outra, Filipa) esteja feliz com este amor.

Le Grand Curtius e a Idade Média

Se depois de uma semana em Liège certas ruas já me parecem familiares, os museus, par contre, continuam sendo uma atração inesgotável.  Hoje tive a alegria de visitar o Grand Curtius, que fica perto da rue Hors Chatêau. Vi apenas metade do acervo, com a sensação inédita de poder voltar amanhã para contemplar o resto (e com isso pude dimensionar a plenitude em que vive, por exemplo, monsieur Armand, o senhor francês que certa vez encontrei no Louvre e que me disse que, a cada semana, voltava ali para ver alguma sala).

A metade do Grand Curtius consiste num mergulho que começa pela pré-história e, no meu caso, foi até a Idade Média. Essa é uma época que sempre me faz parar, embevecida. Selecionei algumas imagens e informações riquíssimas para compartilhar com o leitor interessado no tema.

Vierge à l'enfant

Vierge à l’enfant, vers 1530

(Venerada numa capela da antiga catedral. Revela um estilo gótico tardio com traços da produção limbourgeoise. Denota também influência da escultura suábia)

Christ mosaneO Cristo acima é um bom exemplo de “art mosan”, um estilo que se desenvolveu no vale do rio Meuse (e daí o nome “Mosa”, de Meuse) entre o fim do século X e a metade do século XIV. A cultura era herdeira da época carolíngia; Liège no século XII contava com mais de 20 paróquias, além dos colegiados, estabelecidos nos locais em que seus fundadores haviam evangelizado. Essas instituições ligadas à igreja desenvolviam o ensino e a arte, contando com importantes bibliotecas e ateliês de iluminuras e ourivesaria.

vers 1260-1270

vers 1260-1270

Fiquei absolutamente magnetizada pela dramaticidade deste cristo, com seu esquema arcaicizante (flexão dos braços em W, posição dos dedos). A obra provém da capela de Frenay, em Lens-sur-Geer.

Vierge d'Évegnée, vers 1060-1070

Vierge d’Évegnée, vers 1060-1070

A iconografia acima é a da “Siège de la Sagesse”, em referência ao trono de Salomão: Maria serve efetivamente de trono ao seu filho, sabedoria encarnada. Mas a virgem está igualmente representada como uma nova Eva: ela segura na mão direita uma maçã, símbolo do pecado original. Fortemente esquematizada, esta figura traz vestígios de arcaísmo, sobretudo pela frontalidade. Estilisticamente, pode ser comparada às portas da igreja Sainte Marie de Capitole, em Colônia, datadas de 1050.

Vierge de Xhoris, vers 1030

Vierge de Xhoris, vers 1030

Esta outra “Sediae Sapientiaie” tem uma silhueta caracterizada pelo alongamento, ao contrário da anterior. O rosto apresenta similitudes com o cristo de Tancréamont, o que conduz a uma datação próxima a 1030.

Vierge, início do séc. XII

Vierge, início do séc. XII

Vierge à l'enfant, vers 1149-1150

Vierge à l’enfant, vers 1149-1150

Acima, a dita Virgem de Dom Rupert mostra um estilo mosan mesclado com o bizantino (no véu da Virgem e na almofada do tipo “obus” sobre a qual ela se senta). Este relevo provém da abadia beneditina de Saint-Lorent, em Liége, e o seu nome é atribuído a uma lenda segundo a qual Dom Rupert, famoso teólogo liégeois do século XII, pouco voltado aos estudos durante a juventude, teria sido abençoado pela Virgem, que permitiu que “seu espírito se desenvolvesse”.

Para terminar esta postagem (e tendo que suprimir muitas imagens lindas, para não me estender infinitamente), vão ainda estas duas, que me comoveram por sua semelhança com as esculturas populares nordestinas. Não é que elas têm um quê de mestre Noza? Ou melhor: em verdade histórica seria bem o contrário – mas em termos emotivos foi assim que estabeleci a conexão: do Ceará para o mundo, sempre. O sentido é esse.

séc. XIII

séc. XIII

De um relicário. Fotografada por trás de vitrine; perdão pela qualidade!

De um relicário. Fotografada por trás de vitrine; perdão pela má qualidade!

Turismo – encore

Que coisa boa é a gente receber notícias quando está fora! Todo contato é um presente, um bem-estar que vai lembrando que existem âncoras, afinal: pequenos lugares de memória – essa energia que faz com que as pessoas sigam o impulso de escrever umas para as outras, de dizer: pensei em você. Eu estou pensando em todos os meus amigos queridos que me fazem falta nesse momento – porque a cidade aqui é linda, está sendo muito bom falar em francês e me sentir acolhida etc, mas num mundo perfeito eu teria isso e mais os meus afetos, os meus gatos, tudo junto num só lugar, para não faltar nada quando a gente faz uma escolha.

O presente que compartilho agora é uma resenha que o amigo Alexandre Staut (que, aliás, conheci dois anos atrás, pelas bandas de cá, em Paris) me envia. Eduardo Sabino fez uma ótima leitura do Turismo para cegos. Para conferir, cliquem ici.

Le chemin de Simenon

Já se acaba o meu curto de período de folga em Liège; logo amanhã tenho encontro com minha orientadora, para dar início à pesquisa em semiótica da fotografia. Hoje eu precisava ao menos dar um passeio de “reconhecimento da cidade” – e escolhi, claro, fazer uma literatrilha sob os passos de Georges Simenon. O percurso, indicado pela Maison du Tourisme, oferece um audioguia que vai comentando os locais fixados no mapa, a começar pela praça Saint Lambert, onde os pais de Georges se conheceram, e onde o próprio teria comprado seu primeiro cachimbo… A narração tem um tom de comicidade, porque é feita da perspectiva do personagem Maigret, que volta e meia se queixa – do número de histórias que seu criador deixou (que o fazem ficar perdido), do fato de que ele é menos lembrado do que Simenon, que também teria se inspirado na própria fisionomia para compor seu protagonista (além disso inventado sem infância etc etc). Houve momentos em que parei, aos risos, no meio de uma calçada, com o audioguia pressionado na orelha. Mas na maior parte do tempo fiquei emocionada – por ver a escola em que o “petit Sim” se alfabetizou – e, depois, a escola onde ele fez seus estudos primários… além das casas em que ele nasceu  (que hoje traz uma grande placa com seu nome) e aquela onde viveu antes de se mudar para a França. O cenário mais impressionante, porém, foi a igreja que dá título ao romance Le pendu de Saint-Pholien. Saber que o fato real ali ocorrido foi um gatilho para a inspiração de Simenon me fez comprar, poucas horas depois, o respectivo livro (é sempre interessante observar como a ficção depende – e se liberta – da realidade). Na mesma compra, levei também uma biografia do Man Ray e textos do Sebastião Salgado: sinal do meu caminho fotográfico nos próximos meses. Mas agora, no hotel, com um bordeaux respirando do meu lado, é o velho Simenon quem ainda vai me acompanhar… À votre santé!

école

escola em que Simenon se alfabetizou

escola primária em que S. estudo

escola primária em que S. estudou

casa em que o autor nasceu

casa em que o autor nasceu

casa em que morou antes de ir a Paris

casa em que morou antes de ir a Paris

Église de Saint-Pholien

Église de Saint-Pholien

Livros e vinho, para cette fin de journée!

Livros e vinho, para cette fin de journée!

Voilà la Wallonie

Minha chegada ontem a Liège não poderia ter sido mais cultural: logo no dia da festa de Outremeuse, enfrentei a exaustão de um voo insone e uma persistente chuva para ver o desfile dos bonecos gigantes e dos trajes típicos. As atrações eram entusiasmantes, desde as proezas dos jovens em pernas de pau até as figuras imensas – do Comissário Maigret e de personagens históricos ou fantasiosos, lembrando pinturas flamengas. Muitos grupos folclóricos desfilaram, representando regiões belgas ou lendas específicas (caso das Sorcières d’Ellezelles), e no final houve uma chuva de confetes que criou, para todos, uma repentina infância sob a neve.

fête

Maigret

charle

Djoueux

sorcières

serpentina

Continuando com os aprendizados, hoje escolhi passar um dia no museu. Estava cansada de multidões, e queria agora o conforto de salas vazias, peças admiráveis com suas legendas, fôlegos suspensos diante de obras incríveis etc. Talvez o Musée de la vie wallone não seja muito tradicional neste aspecto (a não ser pelas salas vazias). Afinal, ali não tive grandes embevecimentos – mas não era essa a proposta, a bem dizer. O museu pretende ser uma coleção-testemunho sobre um povo e uma região; então, nada de grandes raridades, objetos que justificam a viagem (como acontece com o Louvre e a Gemäldegalerie, por exemplo). Ainda assim, a visita foi extremamente proveitosa; após o cortejo de ontem, com tantos bonecos gigantes, pude aprender que as marionnettes liégeoises são uma tradição importantíssima – e não apenas Tchantchès, como vários outros personagens (muitos, inclusive, retirados da Bibliothèque Bleu, como Amadis e Charlemagne) deram prestígio às oficinas de François Bouchat.

Mas a principal característica deste museu talvez seja uma sensação de bricolagem que ele deixa no visitante: pode-se ver, no mesmo lugar, uma vitrine com equipamentos de detetive do século XIX, tais como uma “câmera espiã” disfarçada num relógio de algibeira, e, um pouco mais além, ilustrações sobre a maneira como cães e cabras puxavam charretes com mantimentos, na mesma época. Um grisoumètre (instrumento usado para medir o “grisou”, um tipo de gás tóxico presente nas minas de carvão) é exposto numa sala e, na outra, uma guilhotina autêntica dá início a um questionamento sobre a pena capital (e o argumento mais enfático é a cabeça mumificada de Rahier, o último guilhotinado em Liège, no ano de 1824! A cabeça está exposta ali, ressecada como se feita de papel machê, mas ainda assim terrível). Na ocasião, aprendi que o ofício de carrasco era passado de pai para filho, mas que a partir de determinada data o carrasco já não matava ninguém; simplesmente tinha como dever de ofício afixar pela cidade os cartazes que anunciavam dia e hora da execução (e quem, nesse momento, acionava a guilhotina? Fiquei sem saber).

No museu, não era permitido fotografar, então pude apenas registrar esta informação da entrada: a aparência do lugar, com seus pátios, me lembrou o Hospício Cabañas, em Guadalajara. Não à toa – o edifício também conheceu seu passado de função religiosa/educativa. Cliquem na imagem para ler os dados, e à bientôt!

coq

Gatos belgas

Eu não poderia me sentir acolhida numa cidade sem vê-los. Então hoje, assim num breve passeio, tive a felicidade de encontrar dois lindos gatos belgas. O primeiro é um “chat gentil”, como anuncia a tabuleta no portão – e como eu confirmei pelo seu ronronar constante. O segundo é um gato de loja, muito à vontade para receber os clientes…

Chat gentilchat au comptoir