Faz um tempo que observo os velhos casais. Estudo suas atitudes, embora sem interesse premeditado: simplesmente acontece de eu estar num local, num evento qualquer, e sou apresentada a uma dupla típica. Fico sabendo que são casados há vinte ou trinta anos, sou informada de suas profissões, e aos poucos crio familiaridade com seus trejeitos. Embora sejam várias pessoas, de círculos de convívio distintos, percebo nelas muitas constantes de comportamento – algumas cruéis, que me levam a refletir.
Há, por exemplo, um aspecto controlador nas esposas, algo que me põe constrangida. Vigiam a dieta do marido, regulam suas atitudes como se lidassem com crianças ou homens estúpidos. Elas não beijam mais o companheiro – parece que mal o toleram e talvez sintam certa repugnância, que disfarçam ao investir em acessórios para o apartamento ou para si mesmas. Fazem inúmeros tratamentos cosméticos e (embora nunca rejuvenesçam totalmente) são belas, mas isso as torna ainda mais infelizes. Sentem que desperdiçam cada esforço estético com um homem que não desejam. Pode ser que se divirtam em ocasionais adultérios, mas em geral permanecem casadas por convenção. Gostam de se encontrar com amigas, para disputarem juízos secretos sobre as próprias aparências. O máximo regozijo aparece quando notam o envelhecimento da colega – e nesse dia, é possível que chamem o marido de “meu amor”.
A diferença entre estas mulheres e seus homens é que elas parecem morder uma constante frustração, enquanto eles têm um ar pacífico, seja por resignação ou por verdadeira paz. Parece que vivem melhor, tranquilos sob as ordens e aflições domésticas. Consolam-se com fugidinhas (que podem ser amorosas, mas nunca dentro do sentimento de vingança e desforra com que as esposas conseguem seus amantes), com o futebol ou alguma extravagância na dieta.
Eu me identifico com o temperamento deles; quero ser assim. Deus me livre de virar uma “fiscal do lar”, regulando falhas na decoração ou no cardápio. Longe de mim ter uma preocupação severa com a saúde de meu companheiro. Se me relaciono com um adulto, acho estranho infantilizá-lo. Na verdade, creio que o “amor maternal” que as mulheres supostamente direcionam aos maridos é, quase sempre, um “amor sem paciência”, que sinaliza o fim do romantismo e da libido. Quando se perde a paciência com o parceiro, é porque um pouco antes foi preciso ter e manter essa paciência, sustentá-la com esforço, até que não desse mais. Isso já é destruição, sinal de que o afeto espontâneo, tão docemente despreocupado, cedeu lugar a uma tolerância que vive por um fio…
Existe consolo ao lembrar que há exceções? Sim, pelo menos um pouco de alívio! Conheci também casais que souberam envelhecer juntos, com um amor profundo e ocasionalmente erótico. Esses têm voz doce e andam de mãos dadas: vão trêmulos não pela idade, mas pelo carinho que sentem palpitar, como se ainda fossem dois namorados.
Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo)
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